sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A história do Sanduíche


Em 1971, Woody Allen escreveu o texto abaixo homenageando Lord Sandwich pela sua fantástica criação. Na verdade, Sandwich, ou John Montagu (1718-1792), apenas emprestou o nome aos sandubas. Fanático por carteado, ele virava noites jogando e, certa vez, pediu aos serviçais algo prático para comer à mesa, sem se lambuzar. Serviram a ele um naco de carne entre dois pedaços de pão. Logo, os parceiros passaram a pedir “um igual ao do Sandwich”. 
Leia a versão de Woody Allen:
1718: Nasce o Lorde Sanduíche, de uma família riquíssima. Seu pai está eufórico por ter sido nomeado ferreiro de Sua Majestade – posição de que desfrutará durante anos até descobrir que sua função consiste apenas em ferrar cavalos, quando então demite-se amargurado. Sua mãe é uma simples hausfrau de origem alemã, cujos monótonos menus consistem basicamente de toucinho e mingau de aveia, embora às vezes demonstre uma ligeira imaginação culinária ao preparar um passável chá de canela.
1725-35: Freqüenta a escola, onde aprende latim e a montar. Na hora do recreio demonstra pela primeira vez um notável interesse por frios, principalmente fatias finas de rosbife e presunto. No fim do curso, isso tornou-se uma obsessão e, embora sua tese de graduação, “Análise e Fenômenos Anexos dos Acepipes”, provoque algum interesse entre os professores, ele continua a ser visto pelo colegas como um sujeito estranho.
1736: Entra para a Universidade de Cambridge, a pedido dos pais, a fim de estudar retórica e metafísica, mas demonstra pouco interesse por ambas. Constantemente revoltado com as convenções do mundo acadêmico, é acusado de furto de algumas fatias de pão e de realizar experiências imorais com elas. Finalmente taxado como herege, é expulso da universidade.
1738: Renegado por todos, parte para os países escandinavos, onde por três anos dedica-se intensamente a uma pesquisa sobre queijos. Impressiona-se com a enorme variedade de sardinhas que passa a conhecer e anota em seu bloco: “Estou convencido de que há uma perene realidade, além de tudo que o homem já realizou, na simples justaposição de alimentos. Simplificar”. De volta à Inglaterra, conhece e casa-se com Nell Smallbore, filha de um verdureiro. Ela lhe ensinará tudo sobre alfaces. 
1741: Vai viver no campo, às custas de uma pequena herança, deixando freqüentemente de almoçar ou jantar a fim de economizar dinheiro para comprar comida. Sua primeira obra terminada – uma fatia de pão, outra fatia de pão em cima desta e uma fatia de peru em cima de ambas – fracassa miseravelmente. É ridicularizado pela comunidade científica. Desapontado, retorna ao laboratório e começa tudo de novo.
1745: Após quatro anos de trabalho insano, convence-se finalmente de que está às vésperas do sucesso. Numa cerimônia de grande solenidade, exibe para seus pares uma nova tentativa: duas fatias de peru com uma fatia de pão no meio. A obra é rejeitada por todos, exceto por David Hume, que pressente naquilo a iminência de algo importante e o encoraja. Estimulado pela amizade do filósofo, retorna ao trabalho com vigor renovado.
1747: Já sem dinheiro, não pode mais se dar ao luxo de pesquisar com peru ou rosbife, e passa a trabalhar com presunto, que é mais barato.
1750: Na primavera, faz a demonstração de três fatias de presunto empilhadas consecutivamente, o que atrai ligeira atenção, principalmente nos meios intelectuais, mas o grande público continua indiferente. Três fatias de pão, uma em cima da outra, provocam algum comentário. Embora um estilo maduro ainda não esteja à vista, é procurado por Voltaire, que o convida a visitá-lo.
1751: Viaja à França, onde Voltaire lhe informa que também chegou a alguns interessantes resultados usando pão e maionese. Os dois tornam-se amigos e iniciam uma correspondência que terminará abruptamente porque Voltaire ficará sem selos.
1758: A crescente aceitação de suas experiências junto à opinião pública resulta um convite da rainha para preparar “algo especial” que ela possa beliscar com o embaixador espanhol. Passa a trabalhar dia e noite, rasgando centenas de rascunhos, mas finalmente – às 4h17 da madrugada de 27 de abril de 1758 – cria uma obra que consiste de várias fatias de presunto guarnecidas por duas fatias de pão, uma em cima e outra embaixo. Num átimo de inspiração, despeja mostarda sobre a obra. O achado fez sensação e a rainha o encarrega dos menus do sábado.
1760: Com um sucesso atrás do outro, cria os “sanduíches”, assim chamados em sua homenagem, realizando imaginosas combinações de rosbife, galinha, língua e praticamente todos os frios conhecidos. Não contente em repetir fórmulas já tentadas, busca novas idéias e cria o sanduíche-viagem, pelo qual recebe a Ordem da Jarreteira.
1769: Vivendo agora numa mansão, é visitado pelos maiores homens de seu tempo: Haydn, Kant, Rousseau e Benjamin Franklin param em sua casa, alguns deliciando-se com suas notáveis criações, outros recusando-se a uma simples dentada.
1778: Embora fisicamente decrépito, continua a buscar novas formas e escreve em seu diário: “Tenho trabalhado durante a madrugada e resolvi torrar os sanduíches a fim de mantê-los quentes”. No fim do ano, seu sanduíche aberto causa autêntico escândalo por sua franqueza.
1783: Para celebrar seus 65 anos, inventa o hambúrguer e visita as grandes capitas do Ocidente, preparando pessoalmente os sanduíches em teatros, diante de enormes platéias entusiasmadas. Na Alemanha, Goethe sugere que sirva os hambúrgueres dentro de pães redondos – idéia que ele aproveita. Sobre o autor de Fausto, ele escreve em seu diário: “Grande cara, esse Goethe”. A frase deixa Goethe encantado, embora os dois, mais tarde, venham a romper intelectualmente devido a uma discordância sobre os conceitos de bem-passado, mal-passado e ao ponto.
1790: Numa retrospectiva de sua obra em Londres, sente-se mal com dores no peito e é quase dado como morto, mas recupera-se o suficiente para supervisionar a criação de um sanduíche de salsicha por um grupo de talentosos discípulos. O lançamento do sanduíche na Itália provoca distúrbios e, durante séculos, o futuro cachorro-quente continuará incompreendido, exceto por alguns críticos.
1792: Contrai um bacilo raro ao apertar a mão de Koch, o qual deixa de tratar a tempo e morre. Seu velório é realizado na Catedral de Westminster e milhões de pessoas vão levar-lhe suas últimas despedidas. Durante o enterro, o grande poeta alemão Hoelderlin resume a sua obra com essas palavras imortais: “Nossa dívida com ele é eterna. Ele livrou a humanidade da refeição quente”.
*Trecho do conto de Woody Allen  lançado no Brasil no livro Cuca Fundida (L&PM Editores, 1977) e publicado na Revista VIP em junho de 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário